DECAPITAÇÃO DOS PROBLEMAS - PARTE III
DECAPITAÇÃO DOS PROBLEMAS
A busca pelo verdadeiro culpado!
Autor: Edgar S. Torrecilhas
PARTE III
Durante minhas férias arrumei um tempo em minha agenda lotada, sim, lotada, ou vocês acham que passar horas deitado e horas comendo não ocupam o tempo? Decidi que em meio aquela poeira e bagunça meu descanso não era completo, arrastei uma vassoura pela casa (é, arrastei, não considero o que fiz como “varrer”), limpei móveis, uns serviços completos, apesar de certas dores no corpo que a idade já me traz. Uma lombar doída, bico de papagaio que mais parecem tucanos. Revirando minha bagunça e algumas vezes encontrando com meu pet pela casa deparei-me com uma caixa de lembranças, não no sentido figurado, mas sim literal. Era uma caixa grande, cheia de poeira, que guardara em cima do meu guarda roupa, talvez guardar não fosse a palavra, mas sim esconder. Meu passado possui momentos bons e ruins, nada em exagero, mas pelo momento que vivo após minha separação lembranças só atrapalhariam minha perfeita e monótona vida.
Ao rever aquele buraco negro fechado onde escondo meu passado tive vários pensamentos divertidos como queima-la aos poucos, joga-la em um lago, rasga-la, são tantas as opções, mas infeliz mente em nenhum meu passado deixará de existir, posso correr e me esconder dele, porém ele é eu e de mim não saiu até que morra. Parece algo louco mas nossos sentimentos, emoções e toda a baboseira sentimental são loucas também.
Dias turbulentos eram exatamente o que aquela caixa me traria e exatamente o que busquei evitar, mas como já disse, meu passado já ocorreu com exageros, enquanto que meus dias vinham sendo um tanto quanto “indigeríveis”, comparando com o que passei a menor tempo, aquela caixa estava mais para um devaju consciente do que uma bomba atômica. Sim, um dejavu, aquela sensação estranha e chata de que o que você esta vivenciando já acontece, a considero chata, pois apenas me mostra que minha vida é duplamente monótona. Sabia que ao abrir aquilo estava prestes a dar entrada para melancolias e problemas, envoltos por curtos sorrisos e dores intermináveis. Era uma caixa de pandora, que mesmo ao saber que a abrindo poderia destruir minha vaga existência, seria necessário enfrentar todos aqueles fatos e recordações.
Revendo por mais um segundo a ideia de correr da situação abri a caixa e assim como um buraco negro, me pareceu apenas uma visão embaçada de forma imediata. Cartas de amor, fotos de quando jovem, livros, bilhetes, ali havia de tudo um pouco, quem se baseasse naquela primeira camada de informações trataria minha vida como o chamado “mar de rosas”, tolos. Dentro dali achei fotos até de minha mãe e meus irmãos, meu diploma de verdadeiro doutor exato, verdadeiro, pois não era apenas chamado assim, possuía provas deste titulo já que uma coisa que me irrita é quem se auto intitula algo sem ser ou que se aproveita de leigos para se sobressair. Estranhamente meus pensamentos andam muito confusos, me perco facilmente ao falar e até mesmo só pensando.
Vendo lembranças tão antigas recordei sobre minha mãe Marcele, meus irmão Yuri, Natiele e Michele e nosso padrasto Jonatan, uma família comum, simples e logicamente falha, lembrando-me disto me senti mais pesado e sombrio, porém ao relembrar detalhes de minha mãe, este sentimento esvaiu-se. Minha mãe, tão bela dama, mais cheirosa que um campo repleto de flores exalantes de seu doce aroma. Um olhar tão meigo, cujo brilho me lembrar das estrelas do céu em noites escuras onde as destorcidas luzes terrenas, de postes e demais, não atrapalham a perfeição cintilante destes astros luminosos. Ligeiramente me sentia nas nuvens ao pensar em minha mãe, uma mulher lutadora e de muita fibra, cuidou de mim e de meus irmãos após a morte de nosso pai, outro homem bom, morreu em um acidente em 1992.
Era um homem zeloso com a família e de muito carinho para comigo, meus irmãos e minha mãe, pena que em um trágico acidente morrerá eletrocutado. Pensamentos ruins novamente rondaram minha mente, mas não foi algo premeditado, ele pediu que guardasse o secador de mamãe que estava no banheiro, o piso era tão liso... Chorei por muito tempo, minha mãe tentava me consolar, mas como eu poderia me consolar tendo visto tudo acontecer? Minha mãe mudou o foco do ocorrido quando contou os fatos para a policia e para meus irmãos, lembro-me de duas palavras até hoje “Para todos os efeitos foi um acidente”. Após a morte de nosso pai, nossa família nunca mais foi a mesma, meus irmãos Yan e Nathan sumiram mundo a fora após diversas brigas com nossa mãe, insinuavam que ela trairá nosso pai com qualquer um e que sua morte tivesse não sido apenas um acidente. Duas semanas após a “fuga” deles, descobriram que se envolviam com drogas, e estando sem casa e sem família não tinham onde arrumar dinheiro, sem dinheiro sem alegria de traficante e como uma coisa leva a outra, perdi meus dois irmãos. Minha irmã seguiu o caminho inverso, se fechou totalmente para o mundo, começou a ouvir vozes e sentir pessoas próximas a ela, abrindo caminho assim para a loucura.
Quanto mais mexia naquela bendita caixa mais fundo ia, encontrando assim uma linha retilínea até o presente, pois sempre guardei minhas informações naquela caixa possuindo o melhor lado para cima e como o tempo só estraga tudo, quanto mais próximo do fundo, mais tempo se decorria, era uma lógica até certo ponto estranha, mas como não me atrevi por muito tempo a abrir a caixa, não me importava se essa lógica era com ou sem sentido, ela apenas escondia meu passado de mim mesmo.
Encontrei fotos da minha época de escola e faculdade, revi mesmo que em fotos, meus amigos e alguns amores antigos, que ainda não sei se chamo de amores ou desamores. Nunca me dei muito bem com mulheres, era do tipo quieto e sem assunto com elas, era o típico garoto tímido que é zoado pelos amigos por não ter coragem de me aproximar de uma garota e iniciar uma paquera. Isso tornava o inicio complicado e acreditem o final também, pois mesmo após certa intimidade com elas ainda assim não conseguia agir com cem por cento de naturalidade. Sempre terminava só por não as entender e outras coisas que não me recordo bem, a idade me traz muitos problemas como essa falta de memória. Mas uma coisa nunca esqueci, em meu baile de formatura cometi o maior erro com uma dessas garotas, Claudia. Convidei, quando digo que a convidei quer dizer que meus amigos convidaram ela por mim, conhecia-a um bom tempo já, era uma garota linda e tímida, nos dávamos muito bem. Estava tudo certo no dia do baile, porém me atrasei e já que o costume era que o homem buscasse a mulher de carro (alugado no meu caso), a coitada ficou por mais de uma hora em meio a um temporal em frente a sua casa, pois morava com uma amiga e essa amiga já havia saído para o baile, parece até clichê algo neste tipo, mas como já disse, minha vida é e sempre foi monótona. Em resumo a opera, ela ficou na chuva me esperando e depois foi para o baile, chegando lá estava com maquiagem borrada e roupa ensopada, foi motivo de muita risada. Após este dia nunca mais obtive noticias de Claudia, mas me contaram que durante sua permanência no baile ela não dizia outra coisa a não ser “aquele canalha ainda vai me pagar muito caro”.
Claudia, Julia, Maria, Antonieta... Todas passaram em minha vida e todas se foram após meus erros, vocês devem ter percebido que não citei Katharine, a única que chegou a ser minha esposa. Katharine não se foi por meus erros, mas sim por achar que minha vida era muito “comum”, ao que parecia ela preferia um tipo aventureiro, cheguei a perguntar se ela não preferia namorar alguém da máfia italiana, um membro da Yakuza ou até mesmo um desses traficantes que se acham os maiorais aqui no Brasil, ela apenas me olhou e fez uma cara que poderia ser comparada com “até um mendigo seria melhor que você”. Nunca dei muito valor as reclamações por ela proferidas contra mim, mas aquilo nos desgastou até chegarmos ao fim, só após casado vi que a velha frase que compara a avenida paulista ao casamento está correta, pois os dois começam no paraíso e acabam na consolação, também conhecida como inferno. Mas vejam só após aquela vadia achar minha vida monótona e dizer que se não me cuidasse eu irei perder a cabeça, é ela que está monótona e sem cabeça agora, por um instante ri, até que percebi o quão escroto aquilo era. Continuei revirando a caixa e revendo fatos que nem me recordava mais, recordei meus problemas, minhas saudades, minhas soluções e por cerca de quarenta minutos, esqueci as ultimas semanas de uma forma que poderia jurar que as mesmas nunca existiram.
Guardei minhas lembranças novamente, recolhi os cacos emocionais que reencontrei, observei as feridas que reabri... Ao final me senti renovado e acabado, era um misto sem explicação, mas para entenderem melhor imaginem rever a pior situação que já viveram em suas vidas, seja ela a morte de um ente querido, uma briga, ou seja, lá o que for e logo em seguida se deparar com o sumiço daquilo de sua vida de uma vez podendo perceber que não é algo presente mais em sua existência. Ao fechar aquela caixa não a via mais como um bicho de sete cabeça, ela agora me parecia algo menos tenebroso e que era controlado por mim a partir daquela data. Limpei a caixa, arrumei seu lugar e mesmo quase caindo da escada, a coloquei de volta em seu lugar, guardando com ela tantos problemas e situações desastrosas, mas com lembranças inacabadas em mente e uma dúvida, minha vida é monótona e repetitiva ou sou realmente uma peça operante em um mundo de situações aleatórias sem controle? Senti-me até certo ponto um filosofo por imaginar tudo aquilo e saber a resposta. Não, não irei responder esta questão agora, caso queiram sabem tirem suas próprias conclusões ou sigam as minhas ao decorrer destas páginas envolventes em suas mentes.
Após tanto esforço e limpeza só havia duas coisas a fazer, tomar um longo e delicioso banho e me jogar sob aquele móvel tão esquecido por nós durante o dia, mas que vivemos metade da vida sob ele, a cama.
Clique e confira: PARTE IV