O Lado Escuro da Noite - Parte II
Por Lucas Ildefonso
Não havia tempos para contradições. Eu não podia perder meu tempo e um... um profundo sentimento me inspirava e me arrastava para o lado de mim desconhecido... Mas não vamos perder tempo com isso agora, vamos continuar o conto de onde eu não poderia ter parado. Não adianta pensar sobre isso, apenas as ações agora contam.
Sem querer confundir-me abandonei os pensamentos e continuei a minha busca. Cansado e sem saber onde mais procurar. Repentinamente um clarão de luz desviou os meus olhos, um estrondo feroz vindo de alguma besta selvagem, chamou-me a atenção. Os lampejos de luz azul clara brilhavam com faíscas amareladas que saltavam.
O transformador de perto de casa havia explodido, fora atingindo por um raio, a luz fora tão forte quanto o som. A escuridão cresceu e não deu margem para a razão. Retornei desesperado para casa.
No momento em que me aproximei da velha casa onde morava, gelei ao avistar um foco de luz, provavelmente de uma vela que vinha do andar de baixo e também de outro no andar de cima. Meu coração quase parou e os intestinos resfriaram, quando avistei certa silhueta movimentando-se com uma faca na mão e logo em seguida apagando a luz. Um gosto metálico, salgado tomou conta de minha boca, senti medo, fúria.
Tentei abrir a porta da frente, mas algo obstruía a minha passagem. Desesperado fui de encontro à janela, tentei forçá-la, mas foi inútil. Voltei para a porta da frente.
- Eduardo abra a porta. - Gritei sem adquirir resposta.
Transtornado, chutei a porta várias vezes até que por fim ela cedeu. Entrei de casa como um desesperado, apenas esperando o pior, mas com a esperança de que tudo estaria normal. Redobrei minha atenção, fui à cozinha, pois mantinha a luz acesa. Não havia ninguém. O véu negro insurgia por todos os lados, soa luz que da cozinha vinha lutava com as trevas. Percebi, entretanto, que a gaveta do armário de facas estava aberta. Estupefato, pensei que alguém poderia ter entrado ou que porventura meu irmão e meu primo estivessem brincando com facas. Com bastante precaução e receio de que a casa tivesse sido invadida, subi as escadas com uma faca em punho, e um canivete suíço no bolso. Pé ante pé, fui avançando, respondendo as palpitações de minha carne. A mão que segurava a vela sofria, tremia, e os pingos quentes, sulfurantes tornavam cada segundo mais dolorido. A chama amarelada da vela que produzia sombras vacilantes me assustava e me perguntei se seria melhor correr e pedir ajuda, chama a policia. ”Não, eu não sou um covarde” - me dizia.
Enquanto subia as escadas acabei pisando em algo que formava uma pequena e quase imperceptível poça, no começo imaginei que fosse água ou suco, porém passei os dedos no chão empossado e, quando espiei minha mão, percebi uma cor avermelhada. Pousei meus olhos sobre a madeira e vi que esta escondia gotas de sangue, eu não havia percebido por causa da cor escura da madeira, que era de tom escuro, que em conjunto formava uma trilha, que ia ao meu quarto. Percorri velozmente o trajeto.
Ao chegar em frente à porta do quarto, tive o desprazer de olhar para o corpo de meu irmão que estava estendido no centro. Espontaneamente comecei a chorar. Andei quase sem pensar em sua direção, esqueci da possível invasão e do meu primo. A cada passo que eu dava, sentia minha perna pesar cada vez mais, até que não as suportei e desabei de joelhos no chão, o toco de vela caíram junto enquanto queimando o chão esquentando o assoalho frio, enquanto eu fitava meu irmão. Ele estava de costas, com o rosto virado para o lado, seus olhos repousavam serenos, a sua face estava pálida e sem brilho. Senti o embrulho em meu estomago, e um buraco imenso se formar dentro de mim, naquele instante de dor. Tanta coisa passou por minha cabeça: Primeiro veio à enorme tristeza de ver meu irmão morto, nunca saberia o que vida tinha lhe reservado, nunca bebera e nem tão pouco fizera sexo, não conheceu o verdadeiro amor, nunca mais teria decepções, nunca mais iria chorar ou sorrir, tudo que agora tinha era aquela expressão única, a vida havia parado para ele, não mais influenciaria nada, não era ninguém. Era apenas matéria, inanimada e fria, soltara seu último suspiro. A morte mostrou a sua marca mais satírica. 15 anos de vida para acabar em nada. Tudo para ele agora era nada, não tinha mais família, conseguira enfim um sossego. Eis a piada. A grande piada que é a existência. Caminhamos para o nada e nada.
Só depois imaginei meus tios decepcionados comigo, E finalmente raciocinei.
Sabia que o assassino possivelmente estaria em algum lugar da casa a espreita. Minha tentativa em descobrir onde o assassino provavelmente estava foi em vão. A morte tem desses efeitos, só quem a encara sabe. Mal cogitei em descer para a sala, quando ouvi passos furtivos bem baixos, pareciam de certa forma a passadas de ratos. Mal Virei o rosto para ver a fonte do barulho, quando sentir um golpe macio em minha nuca.
Apaguei. Pertencia a escuridão.
Ao recobrar a consciência percebi que estava amarrado e minha visão estava embaçada, sentia-me tonto; tentei me soltar, mas foi em vão.
Em minha frente estava o corpo de meu irmão sem vida, e mais a sua esquerda uma figura sentada em um banco. Demorei certo tempo para desvendar a estranha silhueta que estava em minha frente. Mas ao decifrar-la, tive um sentimento estranho, misto entre o alivio e o desespero, beirei os dois.
- Eduardo me solte logo, por favor! – Berrei. – Deve ter alguém aqui em casa.
- Não fique aí parado me olhando! Não escutou o que eu disse? Ele está morto – gritei olhando para o corpo – E quem fez isso talvez ainda esteja aqui...Ande seu idiota.
Mesmo diante de minhas suplicas, Eduardo não moveu um único músculo de sua face. Até que me afrontou os olhos. Eram olhos negros. Banhados em desespero e aversão.
- Eu não posso. - Respondeu.
- Mas por quê? - Bradei.
Nesse momento no lugar de sua expressão vazia e inexpressiva, nasceu em seus contornos um sorriso cáustico e traiçoeiro, que se moldou ao olhar maligno e a sua postura desafiadora. Juro leitor nunca... Nunca ter visto em toda a minha vida, um sorriso tão macabro e cheio de ódio. Senti medo, como nunca havia sentido.
Menosprezando a minha reação de terror, ele continuava a sorrir.
- Seu idiota! - Disse em tom de desprezo. – Como eu vou lhe soltar se fui eu mesmo que lhe aprisionei?
Suas palavras saiam com extrema densidade de sua boca e me atingiam em cheio a face, como nenhum soco ousara em me ferir. Com o rosto tomado por grande rubor, eu podia sentir, mesmo mantendo certa distância, o ódio saindo de seus olhos intempestivos.
Como foi natural, eu não podia aceitar que meu primo havia causado tanta dor em mim, e pior, ter assassinado seu próprio primo, seu próprio sangue! Como pode? Por que alguém faria tamanha maldade? O que instigaria tanto ódio?
Mas logo observei atentamente as circunstâncias e o ambiente ao meu redor, me recordei de sua entrada em meu quarto, de seus gestos, notei que perto de onde ele estava havia uma barra de aço e uma faca de cozinha, e em suas mãos existiam luvas brancas cirúrgicas, tudo corria pelo os meus olhos; nesse momento senti o canivete suíço que estava no bolso de minha calça. Era uma pequena promessa de liberdade.
Bastava para mim apenas mais um pouco de raciocínio para esclarecer o que estava acontecendo. Mesmo assim não encontrei resposta lógica para a situação. Entendia o que estava acontecendo, só não sabia o motivo. Onde estava o porquê?
- Qual o motivo de você está fazendo isso? - Perguntei em cólera.
Novamente ele voltou a sorrir friamente e me disse:
- Já não é óbvio?!
- Diga-me então, seu maldito, por quê? - Vociferei.
- Estou vendo que você está um pouco descontrolado, acho que devo amordaçá-lo, e depois terminar logo com isso.
- Acabar com o quê? Do que diabos você está falando?! – Gritei com as forças que me restavam.
- Uma pergunta de cada vez. - Disse calmamente.
Continuou a andar de um lado para o outro.
- Por onde devo começar? Ah... Sim, é você e seu maldito irmão que são uma droga de estorvo para mim e para meus pais. Pronto falei. Desde a morte de seus pais, eu simplesmente não tenho mais sossego e além do mais perdi o amor de minha família, vocês são os queridinhos da família. Os pobres coitados órfãos, sem casa e amor. Dane-se, essa hipocrisia. E eu? . – Estas últimas palavras soaram com bastante êxito -. Não me importa se sou invejoso; importa-me apenas que vocês tomaram o meu lugar como filho, roubaram toda a atenção. Que era para ser minha! Vocês são os meus parasitas, que invadem e rouba de seu hospedeiro e como tal devo eliminá-los. Tenho de servi-los de dividir o dinheiro que é meu, a comida que é minha. Agregados infames... Bestas isso vocês são. Farei do sangue. Do seu sangue a minha paz.
Meu prezado leitor, a paciência nunca foi uma virtude minha, tão pouco suportá-la dentro de mim, geralmente ela se desfazia, entre socos e pontapés. A fúria explosiva era o meu vicio. No âmago do momento, comecei a me contorcer para me soltar, precisa me soltar e eu sentia isso em todos os meus músculos. Todos gritavam a mesma prece. Foi então que entendi que a sobrevivência era minha única escolha, percebi que deveria ganhar tempo para cortar as cordas. Tentei puxar conversa.
- Por que tanta raiva de mim e de meu irmão? Não acha melhor parar?
- O que é que eu posso dizer? Além do mais eu já o matei. Agora só falta você... E tudo estará acabado.
- Então o que foi aquilo no meu quarto? - Falei entre os dentes.
- Eu fraquejei. - Disse colocando as mãos na cabeça, ainda sentado na cadeira – Devo confessar que planejar foi fácil, porém executar o plano foi bastante difícil. Definhei cada detalhe de meu plano, em cada detalhe sórdido. – Agora Eduardo havia parado para consultar o seu relógio de pulso, olhou para o vazio por dois segundos e voltou-se para mim:
- Sabe temos tempo, papai e mamãe só irão voltar daqui à uma hora, vou lhe contar como planejei tudo, de que adianta tudo isso sem sentir o gostinho de sua dor e ela me revigora: No inicio de minha aversão a vocês; eu não havia pensado em assassiná-los... Não! Eu só queria livrar-me de você e de seu irmão, seria simples e deveria ter sido. Primeiro pensei em armar uma cilada e lhes culpar, mas, depois eu vi que o plano era incompleto demais, pouco demais para expulsar você da minha vida, decidi-me por outro, dessa vez mais incisivo.
A vida para mim definiu-se claramente: Uma busca desconhecida pela a morte. É isso que torna as pessoas medíocres e é isso que me diferencia delas e de vocês. Sou alguém livre da mediocridade. Poucos conseguiram isso. Será que não vem que tudo se resume ao sofrimento. Você deveria me agradecer. E eu também te agradeço. Ambos devemos um ao outro agora, não acha? – discurso triunfante, mas de certa forma ele tinha razão quanto a vida. Repeli esses pensamentos.
Um monstro queria sair do abismo. O monstro que habita todo o humano.
Depois de andar de um lado para o outro sem parar, Eduardo parou com suas palavras e se dirigiu para a janela. Depois continuou a falar:
- Porém não maquinei o assassinato assim de repente, o plano foi surgindo aos poucos nascendo, há cada humilhação que sofri, a cada gesto repúdio seu. A perfeita solução que pensei foi à morte. Sim, sim, sim... A morte, a morte era necessária para a minha redenção. Não bastava assassinar lhes, deveria matar sob um pretexto, tinha de haver, tinha de haver alguma coisa, banal suficiente e forte para acabar com você...Sim. Eu odeio mais a você – gritou cuspindo na minha cara – e aí vem a luz, a solução perfeita: Um assalto. Ai vem à parte interessante: Eu roubei comprimidos para dormir do nosso avô e, Como você sabe, eles apagam qualquer um. Depois faltava apenas o dia certo, e me veio à idéia do sábado – Nesse ponto eu já havia alcançado o canivete e agora estava partindo as cordas que me amarravam – Diante disso esperei meus pais saírem, preparei um suco para o Mateus, com os comprimidos, o restante você já deve imaginar. O matei, no entanto, quando eu enfiei a faca nas suas costas, eu sentir aversão pelo que fiz. Minha consciência não demorou a pesar, foi então que corri para o seu quarto, pensei eu lhe contar, mas você foi rude... Rude seu miserável. Os únicos culpados por tudo isso, são você e seu irmão. Quem sabe eu não o esfaqueio mais? Aprender um pouco de anatomia sempre é bom. Não é mesmo? Onde fica o rim? Quem sabe levanta a mão... Está sentindo o cheiro? Cheiro de gente cretina. Até que a carne dele é macia. Parecia ser mais difícil. Mais três facadas e paro. Prometo. Não quero sangue imundo no tapete. Sangue demoníaco. Você é uma ameaça que vai sofrer...Sofrer...Sofrer. Eis o seu destino.
Um grande sorriso de satisfação surgiu na sua cara. Era prazeroso para ele, mas no fundo de mim tinha a impressão de que estava sendo atormentado por algo mais.
Em toda a minha vida, nunca senti tanta raiva de alguém, e ainda assim comprimi-la junto com a aversão e ódio, até chegar num ponto em que pudesse controlar, era surreal. Tudo que eu queria era fugir dali, de tudo e de todos. Ao termino do discurso de Eduardo, minhas mãos estavam livres, para conferir a vingança. Olhei por trás do ombro, avistei a faca que trazia. Em cima da cômoda. Esperei o momento certo para atacar.
Ele não demorou a chegar.
Completamente calado ele aproximou-se da cômoda pegou a faca, e no ímpeto de me assassinar, manteve seu foco em meu tronco, com uma careta ele tentou desferir um golpe abaixo da minha ultima costela, entretanto, como eu estava livre agarrei a sua mão ainda no ar. Iniciando assim uma briga. Lutamos, e com toda a pressão da panela de pressão que fervilhava dentro de mim. Agarrei a faca e a cravei uma, duas, três, e por fim quatro vezes, em seu corpo. Creio que os quatro ferimentos foram próximos, um perto do outro. Os golpes foram rápidos e enxutos, e, sem remorsos imediatos.
Desconheço leitor se realmente, a totalidade de minha raiva e brutalidade, foram de todo por causa do ocorrido naquela noite, suspeito, entretanto de que parte de cada golpe, não foram realmente direcionados a Eduardo, deixe-me explicar-me melhor: Não tenho certeza se o que fiz, foi para punir Eduardo ou se uma parcela, mesmo que pequena foi para o assassino de minha família. Não minto que senti alivio e um ligeiro prazer de ter me livrado de um demônio. Mesmo tentando relembrar o que se deu em mim naquela noite, não consigo dissecar o combustível bruto de minha atitude ofensiva. Como também desconfio se minha atitude, fora uma defesa ou um taque desenfreado. Deixo ao leitor esta escolha.
Recuei um pouco. Ele despencou. Mesmo depois de tê-lo esfaqueado, Eduardo conseguiu balbuciar algumas palavras, que saíram tremulas e sem muita força, que não ouvi muito bem, eram abafadas e vinham de algum lugar entre o túmulo e a esperança. Não sei bem e nem posso ter certeza, deduzi que foram estas: “Eu consegui”.
Morreu com os olhos abertos, conservando seu sorriso cínico e maligno.
“Afinal de contas o que ele poderia ter conseguido?”. Pensei, e por mais que quisesse chegar a alguma conclusão, a algum fim. A um sentido, um porquê ou razão expulsei de mim todas as conjecturas que começaram a surgir e me dediquei a encarar o cenário em que tudo acontecia.